terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O TEMPO...

"E isso não é coisa de outro mundo, é o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa, verdadeira, pura... enquanto ela durar....” (Cora Coralina) - Imagem: Google Imagens




Vivemos de verdade a vida que temos?

Por Veruska Queiroz



Há alguns dias fui ver o filme, “O curioso caso de Benjamin Button”, de David Fincher. A princípio, pensei em começar esse texto dizendo que dependeria da sensibilidade do telespectador sair ou não mais ou menos tocado da sala de exibição após o filme, mas refletindo melhor, penso que, não há como sair o mesmo, ileso e alheio às reflexões de um filme como esse.


O filme de David Fincher foi baseado no conto homônimo do escritor americano F. Scott Fitzgerald (1896-1940), embora se vejam muitas diferenças entre eles, como por exemplo, no conto de Fitzgerald, Benjamin Button nasce com a aparência física, com os hábitos e os conhecimentos de um velho e morre como um bebê, no vazio, sem nenhuma memória ou experiência, o que não ocorre com o filme. Tanto o conto de Fitzgerald quanto o filme de Fincher parecem ter sido inspirados na famosa frase de Mark Twain (1835-1910): "A vida seria infinitamente mais feliz se pudéssemos nascer aos 80 anos e gradualmente chegar aos 18". Aqui cito também um fragmento de texto que já foi atribuído a Charles Chaplin, Woody Allen, George Carlin, Andy Rooney e George Constanza, mas especula-se - não tenho como dar garantias - que Sean Morey, um comediante americano tenha reivindicado sua autoria:

"Life Cycle" (não consta ano exato de publicação):


"I think the most unfair thing about life is the way it ends. I mean, life is tough. It takes up a lot of your time. What do you get at the end of it? A death! What's that, a bonus? I think the life cycle is all backwards. You should die first, get it out of the way. Then you live in an old age home. You get kicked out when you're too young, you get a gold watch, you go to work. You work for forty years until you're young enough to enjoy your retirement! You go to college, you do drugs, alcohol, you party, you have sex, you get ready for high school. You go to grade school, you become a kid, you play, you have no responsibilities, you become a little baby, you go back into the womb, you spend your last nine months floating.... You finish off as a gleam in somebody’s eye."


Tradução livre:
"Acho que a coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Quer dizer, a vida é dura. Ela ocupa muito do seu tempo. O que você ganha no final disso? A morte! O que é isso, um bônus? Eu acho que o ciclo da vida está de trás para frente. Você deveria morrer primeiro, se livrar logo disso. Então você vive em um lar de idosos. Você vai ser chutado para fora de lá por estar muito novo. Você tem um relógio de ouro, você vai para ao trabalho. Você trabalha por quarenta anos até ser novo o suficiente para gozar a aposentadoria! Você vai para a faculdade, você usa drogas, álcool, vai à festas, tem relações sexuais, você fica pronto para ao liceu. Você vai para a escola, torna-se um garoto, brinca, não tem responsabilidades. Você se torna um bebezinho, você volta para o útero, você gasta seus últimos nove meses flutuando... Você acaba como um brilho nos olhos de alguém."

OBS: Infelizmente Chaplin não está mais entre nós e no site dado como oficial deste grande artista - ator, diretor, produtor, humorista, empresário, escritor, comediante, dançarino, roteirista e músico -  não consta nada a respeito, nem semelhante. Depois de muito pesquisar em livros e biografias a respeito de Charles Chaplin, não encontrei este texto e nada análogo como sendo seu. Nem mesmo reconhece-se o estilo de escrita de Chapin nele, onde, no mundo midiático, o texto termina com a seguinte frase: "E termina tudo com um ótimo orgasmo! Não seria perfeito?" No início do século, até a década de 40 e 50 - quase finalizando suas criações, expressões expondo claramente a vida íntima e sexual das pessoas não eram usuais, nem mesmo em cinema ou livros, chegando até mesmo a serem censuradas e proibidas. Pessoalmente penso que um artista como Chaplin, tendo em vista todas as suas obras e escritos, jamais se utilizaria da frase em questão, dada a época e seus estilos de produzir e escrever. Fica a contribuição.



O conto de Scott Fitzgerald está disponibilizado na web: http://www.readbookonline.net/read/690/10628/

Bem, o filme de David Fincher, como a vida, é repleto de altos e baixos e questões contrastantes, mas certamente, cumpre a função, penso eu, que todo filme deve ter: fazer sonhar, expor a condição humana em sua totalidade paradoxal, refletir sobre a vida, contar boas histórias, fazer pensar. O filme faz tudo isso. É de todas essas nuances que surge a própria força do filme e também, penso eu, do Benjamin Button: se a condição do personagem é repleta de dificuldades e estranhezas, a vida e a própria condição humana também o são.
Tudo é surreal, até pela estranha situação do protagonista, mas, ao mesmo tempo, tudo é intimamente ligado ao cotidiano dos sentimentos de qualquer indivíduo, mesmo que não passando nem de longe por uma situação tão peculiar como a de Benjamin. De fato, não importa em que época a história se passa nem em que local: eis que crescimento, maturidade, idade cronológica, as experiências da vida e a intensidade do amar, como cada indivíduo lida com a passagem do tempo e o que faz de sua vida, a finitude e a vontade pueril de poder fazer a vida andar ao contrário se misturam, se confundem e se expõem totalmente atemporais de forma que não há como ninguém sair ileso da sala de exibição e das próprias vicissitudes da vida.


“O curioso caso de Benjamin Button” é, ao mesmo tempo, complexo, perturbador, delicado, leve; denso pela inquietude que provoca, visto que lida o tempo todo com a finitude de todos nós e o que faremos enquanto essa não chega; e frágil, pois nos transporta para a fantasia de envelhecer ficando jovem e, não obstante, as vantagens e desvantagens disso.
Ainda estou elaborando minhas impressões digamos “do fundo da alma” sobre o filme, visto que, após assistí-lo tive vontade de, por instantes, poder mergulhar mais profundamente no vai e vem da vida de um modo geral, com urgência, com sofreguidão, com sede e fome de um náufrago. Aliás, talvez essa seja a minha impressão mais profunda do filme: uma melhor e mais afinada contemplação da vida, para atravessá-la e vivê-la mais intensamente. Outros questionamentos: O que é tangível nesse corre-corre da vida? O que verdadeiramente importa? O que nos faz feliz? Como conseguimos lidar com perdas e passagem do tempo? O que fazemos efetivamente de importante para nossa felicidade e o que deixamos de lado por isso ou aquilo? Estamos prontos para perder o que amamos e o que importa realmente ou só quando perdemos notamos que amamos ou que era importante? Nesses últimos dias, essas tem sido uma constante para minhas reflexões.


Pensei em enveredar-me aqui por uma perspectiva psicanalítica mais teórica ou técnica, levantando dados do que seja essa contra cultura do envelhecimento na contemporaneidade ou o quão somos ou não capazes de lidar com esse mote da passagem do tempo e o quanto gostaríamos de deixar essa vida em condições que não são, necessariamente, a que conhecemos, uma vez que, postulado está que "nosso inconsciente, portanto, não crê em sua própria morte; comporta-se como se fosse imortal" (Freud, 1996[1915], vol. XIV), mas penso que seria perder justamente toda a essência da beleza do que quer transmitir o filme e prefiro continuar envolta a nuances mais leves dessa mesma perspectiva, a pensamentos sobre as relações que experimentamos ao longo da vida, confrontados com as vivências, com os ganhos e as perdas dessas relações e com a capacidade de sermos transformados ou não por elas.


"Não importa o que as circunstancias fazem do homem, mas o que ele faz do que fizeram dele” (J.Paul Sartre, 1946). Lembrei-me aqui do Contardo, talvez como material para outro texto, em um artigo “Você quer mesmo ser feliz?” com ponderações sobre o fato de que, nem sempre, algumas pessoas querem mesmo aquilo que desejam (Contardo Calligaris, 2008). Talvez, considerações dessa natureza devam servir como dever de casa...


E, no lugar das teorias e embalada por esses dois grandes pensadores, prefiro pensar e deixar a pensar sobre o que estamos a fazer do que é feito conosco, sobre as nossas relações e a grandiosidade delas ou não e as marcas que deixamos uns nos outros quando nos encontramos pelo caminho. Sobre dor, alegria, amor, felicidade, dificuldades, superação, riscos, juventude, envelhecimento e urgência ou não em se querer viver - e viver bem - o tempo que nos é disponibilizado.