segunda-feira, 15 de junho de 2009

SINAL DOS NOVOS TEMPOS

“Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir”. (Michel Foucault) - Imagem: Corbis Images




UM NOVO HOMEM, UMA NOVA MULHER
Por Veruska Queiroz



As transformações econômicas e sócio-culturais da modernidade, a revolução sexual dos anos 6O, os movimentos feministas, a necessidade da revisão de antigos conceitos e da criação de novos padrões e a crise da masculinidade, foram alguns dos fatores que contribuíram para uma reorganização de valores e costumes ao longo dos anos. Também os referenciais simbólicos do masculino e do feminino se reestruturavam e, de modo mais direto, incidiam pontualmente nas identificações e na construção de uma nova identidade sexuada. Nessa perspectiva, levando-se em consideração a pluralidade cultural humana e suas incontáveis formas de expressões, podemos levantar algumas questões: Que ideologias permeiam os discursos masculino e feminino? Qual o novo compasso do homem contemporâneo face à sua própria masculinidade?

No contexto histórico cultural da humanidade, o poder sempre esteve intimamente ligado à masculinidade: seja pela representação do provedor, do machão, do sábio, do caçador corajoso ou do bem sucedido empresário. Os símbolos da condição masculina para projetar esse poder encontram sua representação no prestígio e na força (mesmo essa sendo intelectual) e a rivalidade, a competição e o conflito são o seu corolário. Ser sexualmente ativo e sustentar financeiramente a família, exercendo a autoridade e o poder (quando não a força e a violência física ou psicológica) no meio familiar e no trabalho, eram (ou ainda são) condições básicas para ser considerado um homem. Mas, o que é ser um homem? O que é não ser um homem? O que se espera do homem nos dias atuais? Nesse contexto, assim como Freud perguntou: “O que quer a mulher?”, podemos também indagar: O que quer o homem? Ainda quanto à representação do poder masculino, ele é, sem dúvida, representado de forma unânime e quase soberana pelo seu “órgão máximo”, o pênis, segundo eles próprios. Um parênteses: numa perspectiva psicanalítica, se nos reportássemos às vicissitudes edípicas, a qual não irei me ater aqui por sua extrema complexidade, pênis não é igual a falo (representante, em quaisquer circunstâncias, do poder), mas, no caso dos homens, o falo também está representado pelo pênis e coincide com esse e ele então se torna o centro de onde emana o suposto poder que sustenta teoricamente a nação masculina. (Falo= símbolo de poder/ Pênis= órgão anatômico). O poder, então, é entendido como virilidade, respeitabilidade, irredutibilidade, autoridade, invulnerabilidade, força. Nesse sentido já podemos delinear um grande furo e ver que o feitiço, nesse caso, se vira mesmo contra o feiticeiro: para o homem ser Homem com H maiúsculo segundo o discurso da cultura, ele tem de bancar uma postura idealizada, irreal, heróica e quase sobrenatural que acaba por se tornar dolorosa, pois ele se torna escravo das próprias características que deveriam lhe trazer mais liberdade, já que, nessa linha de raciocínio podemos entender que o poder o faria livre, forte, soberano, dono de si, auto-suficiente e indestrutível e não é isso que acontece.

Mas, como nada continua como antes no castelo de Abrantes, esse antigo papel que os homens desempenhavam e toda a sua conduta e posicionamento perante a sua masculinidade foram à banca rota. Aquele homem de 20, 30, 40 anos atrás que a mãe preparou e as tias do colégio confirmaram já não sabe mais quem é, não sabe o que fazer e está dando murros desajeitados e desesperados no ar. Como nos fala Calligaris (Veja, 03/06/2009), “o homem passou a não saber mais ser Homem”. E para alguns, tristemente, a equação para provar sua masculinidade, poder, força e virilidade ainda continua presa às questões da vida sexual. Pobres criaturas. O papel tradicional dos homens que era o de provedor passou a ser distribuído entre homens e mulheres. As mulheres, a partir da metade do século passado, mesmo aquelas que não tinham como prover o sustento da família já não aceitavam mais ser um objeto de satisfação do companheiro e nem um objeto de adorno ou de decoração dentro de casa, ou ainda somente aquela com a função de cuidar dos filhos, da casa e do “distinto provedor”. Mesmo que ainda houvesse esse provedor, em certa medida, as mulheres começaram a questionar sobre seu lugar de Mulher no mundo e começaram a mudá-lo, ou seja, a Mulher começa a estudar, a trabalhar, a decidir sobre quantos filhos teria, a querer ter prazer sexual, a querer ter companheirismo e dedicação de seus parceiros e a estarem supridas emocional e fisicamente em suas necessidades e desejos de Mulher.

Então, qual seria o Homem que deveria emergir dessa avalanche de transformações? Nolasco (2001) nos aponta uma das muitas direções possíveis: "A 'nova masculinidade' requer, do homem, sensibilidade e acolhimento sem comprometimento da virilidade; assertividade, competição, iniciativa, sem implicar em antigos padrões de poder, controle, agressão ou violência". Podemos, com isso, entender que o homem ou esse 'Novo Homem' está vivendo uma fase de transição: a roupa apertada e velha de machão não serve mais e a nova não ficou pronta. Ele tem de reaprender a se expressar e se masculinizar outra vez, numa nova ordem, sob um novo ponto de vista e com uma nova postura. Ao mesmo tempo, no que diz respeito à mulher, se ela quiser se relacionar com esse 'Novo Homem' e com o que há de melhor na essência masculina, terá que ajudar o homem nesse estágio. Sei que corro o risco de ser queimada na fogueira ou lançada ao limbo, mas penso que, nesse sentido, a mulher precisa dar alguns passinhos para trás: ajudar o homem para também ser ajudada por ele, na medida em que ambos possam crescer juntos, numa nova perspectiva, que não mais aquela da disputa, da competitividade e da rivalidade criada pelos tempos modernos(serão modenos mesmo?). O caminho também não pode ser aquele antigo, representando pelo par submissão/comando, onde o papel submisso cabia à mulher e ao homem era destinada a função de "chefe" de família, de autoridade, de comando. Tanto o homem quanto a mulher precisam de novas direções e diretrizes nesse (re)encontro um com o outro e ambos precisam fazer alguns ajustes. Se o homem precisa rever seu papel de homem e encontrar uma maneira mais atual de ser no mundo, a mulher não fica atrás nesse processo. A mulher também carregou nas tintas em muitos aspectos: exagerou na dose ao afirmar sua independência e tentar provar que está em conformidade com os 'novos tempos'. Deixou escapar a impressão de que o homem não é mais tão necessário - e até em alguns casos, desnecessários mesmo: se precisa ter um carro, faz um curso intensivo de mecânica para não “precisar depender de um homem” caso alguma coisa aconteça; se o encanamento dá problemas, ela que (principalmente se mora sozinha), já comprou um arsenal de ferramentas se mete a tentar consertá-lo; se dobra e se desdobra em múltiplas atividades e funções (mesmo que para isso tenha de ficar exaurida e sem tempo para fazer “coisas de mulherzinhas” tão boas de ser feitas) para provar que é moderna, independente, auto suficiente e tão capaz quanto o homem, tanto profissionalmente e intelectualmente quanto financeiramente. Se deseja prazer, ela usa vibradores; se opta por ser mãe quer produção independente ou recorre a um banco de sêmen. Ufa... Esta mulher, ao contrário de ser vista como uma parceira que pode partilhar com o parceiro uma série de funções e obrigações que antes lhe eram exclusivas e, dessa forma dividir responsabilidades, alegrias, tristezas, sabores e dissabores, é vista como uma rival. Ela não é vista mais como uma companheira a ser cortejada, conquistada, cuidada e protegida (e porque não?), mas uma igual (no sentido masculino de sentir alguém como igual) com quem é preciso competir, disputar, rivalizar, brigar... uma inimiga a ser vencida. E o mais triste nesses casos é que nessa batalha não há vencedores nem vencidos, ambos perdem, e perdem muito. Como cada uma das partes que compõe a relação tem as fatias do bolo que lhes pertecem, no que se refere à mulher, depois da ginástica pesada para treinar sua auto-afirmação e de dar provas de capacidade global, talvez tenha chegado a hora de refluir, de repensar sobre antigas questões acerca de ser Mulher sob um novo prisma para reencontrar e reposicionar sua feminilidade com mais segurança e graciosidade.

Para quem ainda possa querer lançar-me ao limbo, reporto-me ao que Maria Rita Kehl (2000) discute acerca da função fraterna – função essa que adquiriu essa conceituação exatamente pela proposta da igualdade entre os sexos: os parceiros, numa relação de igualdade, como semelhantes, dariam conta, fundamentalmente, de restituírem o narcisismo mútuo. Isso leva a conseqüências problemáticas, uma vez que “irmãozinhos” não transam. Talvez fosse interessante relembrarmos aqui que o desejo é uma das conseqüências da diferença. Se há a igualdade para onde vai o desejo?

Nesse contexto precisamos nos lembrar que, o que precisamente nos causa uma grande dor, também nos liberta, em certa medida: a castração é o calcanhar de Aquiles de todos nós. Nesse contexto, I.Marazina(2005) fala sobre o desejo dizendo que é por isso que precisamos relançá-lo incessantemente, pois vivendo na ilusão da completude, nos decepcionamos quando alcançamos o objeto e o engano é constantemente revelado. Ela ainda sugere que um amor que consiga se sustentar nesse trânsito e na lucidez desse desengano, possa percorrer caminhos com menos exigência e, consequentemente, menos sofrimento.

Em resumo: talvez o homem (e, muitas vezes, a mulher também) em referência ao modelo antigo hegemônico de masculinidade baseado na força, poder e virilidade realmente esteja em crise e em severo declínio, mas é possível que ele consiga sobreviver e reaprender a viver, só que será obrigado a repensar e a reestruturar sua maneira de ser Homem e a lidar com uma nova forma de masculinidade. E talvez a mulher devesse fazer o mesmo no que tange a uma nova maneira de ser Mulher e a lidar com uma nova forma de feminilidade.