segunda-feira, 11 de outubro de 2010

"DO PRÍNCIPE AO SIM"

“O amor é a despeito, é além, é sobre, é apesar.”(Artur da Távola) - Imagem: Google Imagens





AMAR SE APRENDE AMANDO

Por Veruska Queiroz



“É preciso entender que união não significa, necessariamente, fusão.
E que amar, "solamente", não basta.
Entre homens e mulheres que acham que o amor é só poesia, tem que haver discernimento, pé no chão, racionalidade. Tem que saber que o amor pode  ser bom, pode durar para sempre, mas sozinho não dá conta do recado. O amor é grande mas não é dois.
É preciso convocar uma turma de sentimentos para amparar esse amor que carrega o ônus da onipotência.”(Artur da Távola)





Ah, o amor!!! Todos os seres humanos, alguns durante toda a vida – em fases e etapas ou ininterruptamente, - outros pelo menos alguma vez na vida - para não afligir ou melindrar as almas mais sensíveis (ou talvez àquelas nada sensíveis) – ou mesmo em algum momento específico, seja de carência, de sonho, de desejo ou de solidão já pensou em viver um amor. Grande, pequeno, cotidiano, normal, intenso, mágico, arrebatador ou não, para sempre ou só para um breve momento de alguns dias, meses, algumas horas ou minutos ou apenas uma relação utilitária ou necessária – sim, infelizmente na minha opinião, existem pessoas que vivem assim; o fato é que, encontrar alguém que faça nosso coração bater forte e descompassadamente,  alguém que nos faça revirar os olhos, nos faça cometer loucuras, entrar em transe e ficar o dia inteiro com aquela cara boba e sorridente reconhecida de longe como “o estado apaixonado” ainda parece ser, de longe, um dos desejos mais pungentes da humanidade.

Sim, existem inúmeras variáveis nesse discurso e diversas nuances nessa visão –  e a minha certamente parcial e talvez não tão impessoal assim. Mas, a verdade é que o amor – e a paixão - e tudo o que eles suscitam e envolvem ou colocam a baila para questionamentos percorrem as veias de todos nós, seja de qual forma for. Seja esse sentimento ou estágio de que falei entendido como paixão ou seja o amor – aquele real, que precisa de um aparato de outros para viver, conviver e sobreviver; fato é que esses sentimentos constituem a todos nós e são os motores de quase todas as transformações que conhecemos, tanto em nós mesmos como no mundo de uma forma geral.

Não, não estou falando do ideal do amor romântico. Ou, pelo menos não somente dele ou ainda não de uma única só vertente dentro do ideal do amor romântico, visto que certa dose de idealização é necessária e isso é fato. Em toda relação de amor, sempre idealizaremos(muito ou pouco) aquele que amamos. Sempre iremos atribuir ao nosso parceiro – e ele a nós - alguma qualidade extraordinária que ele não tem – e é esperado que possamos também atribuir a ele – e, de novo, ele a nós - outras tantas que de fato possuimos. Apaixonamo-nos exatamente porque damos ao outro qualidades que imaginamos nos nossos sonhos e devaneios. E isso é bom. Aliás, é inerente ao humano. Se assim não fosse, seríamos terreno árido para a convivência e nenhuma troca afetiva legítima, nenhuma transformação pessoal seriam possíveis – lembremos que somos sempre submetidos ao olhar do outro e atravessados por esse olhar, é através do outro e de seu olhar e desejo que nos (re)conhecemos.

O problema não está, penso eu, nas idealizações, já que elas são inerentes e, de certa forma e em certa medida, necessárias e boas. O problema parece estar exatamente na perspectiva de que, a partir das idealizações, o que encontraremos sempre será só e tão somente a frustração. Frustração essa que vai nos secar por dentro e produzir dores e decepções para todo o sempre tão profundas  que vai nos impossibilitar de lançar bons olhos novamente para as relações, novas ou não. Será mesmo? Será que as idealizações estão somente a esse serviço? E será que uma relação de amor continua sendo de amor se não idealizamos o parceiro? 

Assumindo o risco das frustrações e decepções(muitas ou poucas) oriundas das idealizações(muitas ou poucas) e aprendendo a administrá-las dentro de um espectro de acordos conscientes ou não, também ganhamos a perspectiva de sermos transformados exatamente por essas mesmas idealizações. Esse é o lado bom e isso pode ser profundamente engrandecedor. Se o outro idealiza em mim algumas características que provavelmente não tenho e eu abro possibilidades de realizações a partir daí, essa expectativa do outro em mim pode me transformar. O que o outro espera de mim, o que o outro lança sobre mim pode ser a alavanca para verdadeiras e maravilhosas transformações. “Na verdade, mudamos(para melhor ou para pior) sempre graças a algum outro que espera de nós uma mudança(...) Mudamos graças ao amor de quem nos idealiza, e assim nos estimula a mudar.”(Contardo Calligaris, 2004)

É aí que a perspectiva de se aprender a amar amando vai ganhando corpo: é somente no dia a dia, com todas as idealizações e, não obstante algumas frustrações e decepções, mas também com todas as possibilidades de transformações, que o verdadeiro amor nasce e encontra terreno fertilíssimo para se desenvolver, amadurecer e seguir forte e bonito. Jurandir Freire Costa brilhantemente nos “aconselha” em Sem Fraude nem Favor: “Renunciem a serem o Príncipe e a Cinderela, destinados a viverem felizes para sempre e encarem as trapalhadas que vierem.” Eu pediria licença a Jurandir e diria assim: Não vivam sempre como se fossem o Príncipe e a Cinderela destinados a viverem felizes para sempre, pois a vida é um pouco mais real e é preciso se equilibrar diante dos vôos e dos tropeços ou saber levantar depois das quedas, mas não é por isso que a relação deve ser desprovida de beleza e graciosidade - pode ser até mesmo super romântica e felicíssima se soubermos dosar bem a água e o fubá(como dizia minha avó). O Príncipe e a Princesa podem sim - e devem - em meio à vida real, ser muito felizes e divertirem-se muito juntos construindo dia após dia uma relação prazerosa e feliz, de acordo com seus próprios conceitos, parâmetros, paradigmas e dogmas de felicidade e prazer.  

Nessa construção diária o que vemos é que precisamos muito mais que amor somente para que a relação possa se sustentar em bases realmente sólidas. Sim, amor “solamente” não basta. Amor precisa de coragem, boa vontade e boa dose de ousadia para acontecer, para não cair no lugar comum, para passar pelas provas da convivência(tem um dito popular espanhol que diz mais ou menos assim: é preciso saber o que é e como comer juntos umas colheres de sal sem água para valorizar a boa comida e a sobremesa). O amor precisa de coragem, boa vontade e ousadia para aguentar as idealizações(muitas ou poucas), para não esmorecer diante das frustrações(muitas ou poucas) advindas dessas idealizações e para aguentar o próprio sentimento amor com tudo o que ele suscita.

Amor precisa de amor próprio. Amor precisa de respeito, afeto e confiança mútuos e genuínos, precisa de pé no chão – e pé fora dele também. Amor precisa de conversas - conversas sérias, conversas não sérias, conversas boas, muitas conversas. Amor precisa de sinceridade e honestidade inquestionáveis com o outro e principalmente consigo próprio. Amor precisa de retidão de caráter, de ética, de dignidade e de lealdade. Amor precisa de admiração. Amor precisa de comprometimento. Amor precisa de sorrisos largos e gargalhadas soltas. Amor precisa de espontaneidade, de leveza e de autenticidade. Amor precisa de muita afinidade e de sintonia fina. Amor precisa de projetos, planos e sonhos em comuns. Amor precisa de muitas semelhanças e algumas diferenças. Amor precisa de viagem - de carro, de avião, de trem, de navio e até mesmo de viagem sem sair do lugar. Amor precisa de novidades e inovações, mas precisa muitíssimo também da rotina e do cotidiano. Amor precisa de códigos inventados e pactos secretos que só o casal sabe o que significam. Amor precisa de almoxarifado e lixeira. Amor precisa de perdão. Amor precisa de olhar, de toque, de palavra, de boca, de gestos, de sede, de sofreguidão, de urgência, de paz, de inquietude, de poesia e de silêncio. Amor precisa de mãos dadas, abraços apertados, rostos colados e corpos ardendo de desejo. Amor precisa de busca constante. Amor precisa de sol, de água, de luz e de ar fresco. Amor precisa de revisões e renovações. Amor precisa de recriação. Amor precisa de subjetividade e inconsciente. Amor precisa de pele e química. Amor precisa de individualidade, de um pouco daquela solidão boa e necessária, mas precisa muito mais de cumplicidade, de doação, de entrega, de união. Amor precisa de alma. Amor precisa de amizade, de confidências e de segredos juntos. Amor precisa de cuidados, de carinhos e de advinhação. Amor precisa de postura bonita e justa quando as opiniões divergirem ou o sangue esquentar. Amor precisa de aceitação e de tolerância, principalmente de cada um em relação a si mesmo. Quem não aceita as próprias imperfeições e não tem tolerância com as  próprias limitações, provavelmente não saberá como fazer quando o outro se apresentar dessas maneiras. Amor precisa de muitas estórias juntos para se contar a si mesmo. Amor precisa de sabedoria, de elegância, de beleza e sobretudo e irrefutavelmente de inteligência.

Em suma, amor precisa de AMOR. Seja como for - porque ninguém vai poder mesmo fugir às loucuras maravilhosas ou doidivanas que o amor trás em si - se você quiser amar(muito ou pouco, para sempre ou não), saiba que dentre toda a literatura a respeito, dentre todos os seríssimos estudos de pessoas altamente capacitadas e dentre todos os postulados... além, apesar e sobre todas as perspectivas e expectativas, amar ainda se aprende de uma única forma: amando.