quarta-feira, 9 de março de 2011

DESEJOS E SUPERAÇÕES

“Somente onde há sepulturas, há também ressurreições.”(Friedrich Nietzsche) - Imagem: Google Imagens





SOBRE DESEJOS E SUPERAÇÕES


Por Veruska Queiroz


Realizou-se dia 27 de fevereiro desse ano a 83ª edição do Oscar, em Los Angeles. Entre os ganhadores, “Discurso do Rei” e “Cisne Negro”. Filmes belíssimos que levam os espectadores a inúmeras sensações e emoções – desde encantadoras a perturbadoras. Também não posso deixar de mencionar filmes como “Bravura Indômita”, “Inverno da Alma”, “127 Horas”, “O Vencedor”, “Toy Story” e até o documentário “Lixo Extraordinário”, que fizeram-me sair do cinema ora muito emocionada, ora extasiada e muitas vezes com um sentimento de redenção e até mesmo, em algumas considerações pontuais, de dever cumprido – como se pudesse ter estado na pele dos personagens – ou como se, numa atitude nostálgica ou visionária, enxergasse – sob outras perspectivas, obviamente - muito de minhas próprias vivências ou desejos.

Para quem viu estes filmes, uma coisa fica bem clara: cada um, a seu modo, aborda temas inquietantes e fascinantes sobre desejos, superações e vitórias, sejam sobre algo, alguma coisa ou sobre si mesmo. De alguma forma, todas as estórias dinamizam desejos, desafios, adversidades, limites – quer sejam externos ou internos - e a obstinação e luta para realizá-los, superá-los, para ir além, para vencê-los. Também falam sobre amizade, sobre auto-conhecimento – ou pelo menos da luta que se pode travar para o mesmo - e sobre coragem e liberdade.

A grande festa do Red Carpet e do Cinema Mundial ainda brilhava com todo o seu glamour e estórias com nuances bem reais - uma particularmente baseada em fatos verídicos - enquanto outras estórias – absolutamente reais - de desejos, adversidades, desafios, coragem e superação saltavam aos nossos olhos. Há pouco mais de trinta dias, na Cidade do Samba no Rio de Janeiro, três escolas de samba perderam muito do trabalho de um ano inteiro. Fantasias e carros alegóricos se consumiram inteiros no fogo. Entre lágrimas, dor, desespero e muita tristeza estavam também – talvez muito semelhantes aos do cinema – desejos, desafios, adversidades, limites, obstinação e superação.

Pouco antes destas estórias estarem nas críticas, pontuações e comentários de muitos, no meu texto anterior abordei, entre outras coisas, considerações sobre medos, mudanças e (re)começos. Em certa medida, os conceitos se entrelaçam se entendemos que lidar com desafios e resistências, vencer nossos medos ou limites, superá-los para promover mudanças e recomeçar implica desejar grande, ir além, buscar talvez o novo, novas formas de ser e estar no mundo. Implica também conseguirmos manejar a angústia do medo que este novo promove e termos um tanto de coragem, determinação e, muitas vezes, obstinação mesmo para a superação e, não obstante para a vitória, se essa for pretendida – quer ela signifique uma vitória sobre algo ou sobre si mesmo. Eis algumas reflexões sobre esse tempo de desejos, desafios, superações, mudanças e (re)começos de filmes hollywoodianos, de escolas de samba e da escola da vida:

1) Tanto no que vimos nos filmes do Oscar/2011, em Los Angeles quanto na tragédia do fogo para algumas Escolas de Samba do Rio de Janeiro e também não muito difícil de vermos pipocando aqui e ali em uma ou outra vivência humana – talvez as vivências mais audaciosas e corajosas - há uma premissa: o desejo. O desejo grande, aquele perturbador, inquietante, febril, convulsional, transformador. Aquele que nos molda e nos define, que nos vira do avesso, que revira todas as nossas dúvidas e certezas, que nos deixa sem direção e ao memso tempo é nosso norte, aquele que nos desestrutura e ao mesmo tempo nos preenche, aquele que mostra nossos lados A e B - às vezes C, D, E , F.

2) Se há esse desejo grande que nos molda, nos revira e nos define é porque não podemos, não sabemos, não queremos e não conseguimos seguir adiante sem ele. Ele causa inquietude, questionamentos, alegrias, perturbações, insanidades, destemperos, raiva, paixão. Também causa aquele algo a mais que nos impulsiona e nos faz querer ir além, nos aprimorarmos, vencermos nossos fantasmas, entrarmos em nossos porões, abrirmos as janelas, deixarmos entrar o sol. É ele que nos mantém e nos move. E, por nos mover, ele também é o responsável pelas reflexões e buscas que fazemos de tempos em tempos – quando não sempre – para realizá-los.

3) No caminho da busca pela realização dos nossos desejos grandes – aquele que nos movem, nos moldam e, principalmente nos definem –  é fato que iremos nos deparar com nossas limitações, imperfeições e com nossas resistências, com dores e perdas, com algumas frustrações, com angústias, medos e teremos de, em dado momento, decidirmos o que fazer com cada coisa. Se assim não fosse, nossos desejos grandes não estariam nessa categoria e poderiam ser facilmente substituídos ou negligenciados. Os desejos que podem ser facilmente substituídos - exatamente por não serem grandes - nos fazem sempre mais ou menos, nunca inteiros - mais ou menos desejantes e mais ou menos não desejantes e, por isso, sempre pulando aqui, ali e acolá sem direção e definições; mais ou menos satisfeitos e mais ou menos insatisfeitos, mais ou menos consistentes e mais ou menos indolentes, mais ou menos alegres e mais ou menos tristes... sempre mais ou menos isso e mais ou menos aquilo. Ou seja, sempre pela metade - mornos, chatos, insossos e medíocres. E ouso dizer: frágeis, débeis, sem brilho, sem magnetismo, sem beleza e sem vida.

4) Os desejos grandes, por assim o serem, nos fazem mergulhar constantemente em severos testes - e sendo grandes como nossos desejos, depois das lutas e superações, passamos com louvor. Eles testam nossa força, nossa paciência, nossa persistência, nossas direções, nossa deteminação - às vezes, obstinação mesmo - e a validade e importância dos nossos próprios desejos. Eles testam nosso caráter, nossa dignidade, nossa sanidade, nossos princípios e valores morais, nossa essência e nossa beleza - conceito aqui muito além do físico e do que o senso comum propõe e cultua. Os desejos grandes testam nossa resistência, nossos limites e colocam todas as cartas na mesa, todos os pingos nos "is" acerca de quem verdadeiramente somos e da nossa capacidade para lutar ou não e superar ou não, com nobreza, força e coragem - também há quem escolha, nesse momento, a mediocridade, a fragilidade e a covardia - todas as adversidades, medos e limites para sabermos se, ao final da jornada seremos os vitoriosos que queremos mesmo aquilo que desejamos - porque nem todos querem mesmo aquilo que desejam - e o quanto somos grandes ou não diante desses nossos desejos grandes - e até mesmo se esses eram, são ou não desejos realmente grandes.

5) Desejar grande, voar alto, sonhar bonito, vencer as adversidades, os obstáculos e, não raro, as próprias limitações e imperfeições, superá-los com dignidade e beleza, aprimorarmo-nos, querermos sempre o melhor e fazermos sempre o belo são obras de almas grandes, as mesmas dos desejos grandes – alguns insistem em chamá-las loucas. Que seja. Mas vejo muito mais loucura em quem se contenta com sonhos poucos, rasos e pequenos; com pedaços, farelos, migalhas e restos. Vejo muito mais loucura em quem não tem aquela força bonita e aguerrida para enfrentar os desafios da vida, esmorece diante dos obstáculos e escolhe entregar a alma ao diabo e a dignidade à lama e à ruína. Vejo muito mais loucura em quem, tendo caminhos admiráveis para seguir, prefere caminhos obscuros e fétidos - na maioria das vezes, caminhos sem volta no que a subjetividade evoca. Vejo muito mais loucura no caráter torpe, nas farsas, nas mentiras, nas omissões e na estupidez - e, por consequência, na profunda e irremediável degradação humana que se desenha nesse cenário escuro, árido e triste. Vejo muito mais loucura na covardia, na falta de respeito e cuidado consigo mesmo, com o outro e com a vida. Enfim, vejo muito mais loucura em quem não é capaz de ser grande, de ter desejos grandes e de lutar bonito, limpo e com nobreza - seja em relação a si mesmo, ao outro ou à vida - com e contra as adversidades do caminho; com e contra limitações e imperfeições, com e contra alguns obstáculos, algumas frustrações ou decepções; com e contra medos e fantasmas e, por isso, tristemente, também não é capaz - talvez nunca - de ousar e vivenciar a superação e a vitória com beleza, garbo e elegância.

6) Somente os desejos grandes, esses que nos dizem quem somos, esses que nos instigam, nos colocam à prova, nos desconstroem para que possamos nos reconstruir, nos cutucam, nos interpelam e nos trazem dúvidas, perguntas sem respostas e insondáveis questionamentos, nos moldam e nos definem testam nossas atitudes perante nós mesmos e perante o mundo. É diante disso que mostramos quem somos. Somente os desejos grandes nos apresentam as devidas adversidades e desafios para avaliarmos com profundidade e honestidade nossa essência e o que estamos fazendo de nossas vidas e avaliarmos o valor do que nos é verdadeiramente importante. Somente eles, depois das adversidades e desafios, são capazes de provocar nossa “ira” interior de querer superá-los e vencê-los. Somente eles contém, em todos os sentidos, as verdadeiras coragem, nobreza e beleza em sua totalidade, promovem a fascinante e inigualável liberdade e a indescritível vitória bonita e magnânima de quem enfrentou e superou/venceu todos os leões, cisnes, guerras, gagueiras, fogo, tempestades, mutilações, perdas e mortes - inclusive as subjetivas.

7) Superações são somente para os desejos grandes das almas grandes e belas... dos sonhos grandes, do amor grande, da essência grande, dos voos grandes, dos cisnes grandes, das gagueiras grandes, do fogo grande, dos caminhos grandes, da coragem grande, do caráter grande, da força grande, das dignidades grandes, das atitudes grandes, das verdades grandes, da nobreza grande, da ousadia grande, das lutas grandes, das vitórias grandes, da elegância grande, da beleza grande, da vida grande.


Somente onde há sepulturas há também ressurreições.”


(Friedrich Nietzsche)

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

(RE)COMEÇAR

“Viver é afinar o instrumento, de dentro pra fora, de fora pra dentro. A toda hora, a todo momento, de dentro pra fora, de fora pra dentro.”(Walter Franco) - Imagem: Getty Images





RESISTÊNCIAS, MEDOS, MUDANÇAS... (RE)COMEÇO!!!



Por Veruska Queiroz



Há uns dias, à padaria, não pude deixar de ouvir duas pessoas conversando sobre uma tal prova de resistência de um famoso – e controverso – programa de uma emissora de televisão. A conversa girava em termos de considerações pessoais nas quais a discussão – bastante acalorada, por sinal – enfatizava o fato de que ter resistência - física e psicológica no caso - era mesmo algo muito difícil e muitos não estavam mesmo preparados para tal, enquanto outros pareciam vencer a resistência sem grandes problemas. Num outro ponto da conversa, discutiam sobre o fato de a resistência – naquele contexto específico - gerar medo: medo de, a partir daquele ponto, se estar mais visado, medo da responsabilidade e do peso que os atos poderiam ter a partir daquele instante.

Saí da padaria pensando no que ouvira e, embora meus pensamentos não estivessem mais no contexto da conversa daquelas duas pessoas sobre o tal programa de televisão tentei, apenas como exercício de raciocínio atrelar tais conceitos: resistência e medo, obviamente sob outros pontos contextuais. Com minhas sempre tão presentes divagações, outro conceito me veio à cabeça: mudanças – embora não soubesse, naquele momento, exatamente o porque. Até chegar à casa, fiquei tentando articular ou tentando um ponto de articulação – se pudesse mesmo haver algum – entre resistências, medos e mudanças, essa que acrescentei  e estava revirando meus pensamentos. Talvez a tenha acrescentado, possivelmente, entre outros motivos, por uma situação que sempre considerei marcante - o início de um novo ano - (re)começo - e as possibilidades de renovação que, para mim, sempre o acompanham. De acordo com os parâmentos e crenças de cada pessoa, um novo ano pode ser a chance de uma rotamada de sonhos, planos ou o (re)começo de algo ou mesmo um início novinho em folha de novas diretrizes de vida, seja em perspectiva interna ou externa. Fato é que, motivada por voltar a escrever logo no início do ano, a palavra mudança e sua significação ganharam corpo junto aos outros dois conceitos que fizeram meu caminho da padaria até à casa um verdadeiro cenário de profusão de idéias. 

Distando agora totalmente da conversa à padaria, se tomássemos como norteamento o senso comum ou apenas formas de pensar generalizadas, não ficaria difícil entendermos que sim, todos nós podemos apresentar vida afora, inúmeras resistências por medo de muitas situações e coisas e sabemos – ou, pelo menos, temos uma noção - que no momento em que decidirmos (ou conseguirmos) deixar essas resistências de lado – seja por qual motivo for - poderemos ter de enfrentar nossos medos e teremos de ter uma nova postura frente às condições que surgirem. Uma mudança pode ou não surgir daí – para melhor ou para pior - o que pode também acarretar mais medo e podemos voltar ao ponto da resistência anterior. Por exemplo: uma pessoa que tenha uma grande resistência em aprender a dirigir por medo de não saber controlar o carro numa situação de stress ou por medo da violência no trânsito. Essa pessoa pode ou não conseguir vencer essa resistência e seus medos. Se conseguir, ela sairá transformada, de alguma forma, desse processo e uma nova postura deverá ser adotada. Se não, ela poderá continuar presa aos medos e continuar a resistir. Também pode acontecer de decidirmos vencer as nossas resistências – ou parte delas, conseguirmos enfrentar alguns medos, adotarmos novas posturas de vida e nos prepararmos para as mudanças que se apresentarem a partir daí, com novas e outras resistências e novos e outros medos talvez, mas com a possibilidade de tranformações e porque não e também, (re)começos.

Enfim, uma série de situações cotidianas são possíveis quando pensamos em resistências, medos, mudanças e (re)começos e claro está que essas considerações são apenas generalizações. Dias depois, não pude deixar de continuar pensando se haveria alguma articulação teórica em que pudessem estar atrelados esses conceitos e algumas coisas bem interessantes surgiram.

De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa, etimologicamente o verbo resistir vem do latim resistere e significa “Opor força ou resistência a; não ceder, não se dobrar; opor força à força; defender-se; conservar-se firme e inabalável, não sucumbir; não aceder, negar-se, recusar-se; conservar-se, durar, subsistir.” Faces a essas significações, uma articulação entre elas e o conceito de resistência dentro da perspectiva psicanalítica tornou-se quase imediato. Conceitualmente, resistência para a psicanálise refere-se a tudo “o que  nos atos e palavras do analisando, durante o tratamento psicanalítico, se opõe ao acesso deste ao seu inconsciente.”(Laplanche e Pontalis, 1992) ou o “termo empregado para designar o conjunto das reações de um analisando cujas manifestações, no contexto do tratamento, criam obstáculos ao desenrolar da análise.”(Elisabeth Roudinesco, 1998)

A resistência em psicanálise é parte de todo o processo de análise de uma pessoa. Ela é exatamente o que o seu conceito propõe, ou seja, uma força que resiste, uma oposição à produção do novo, uma tendência para a conservação do mesmo e uma evitação de qualquer tipo de mudança. Isso porque todo processo analítico e a psicanálise em si giram em torno da transformação sujetiva e de alguma forma de mudança e a resistência aparece como defesa - em relação ao recalque - que a pessoa usa para se proteger e afastar-se de qualquer perigo, ansiedade ou desprazer sentido por ela, até que possa, pouco a pouco ser trabalhada e superada. Para lidar com a resistência e com a compulsão à repetição há o manejo da transferência - que precisa ser bem trabalhada e conduzida, mas essa é uma outra inserção teórica de que não falarei aqui, embora a mesma seja de indiscutível e fundamental importância. Em suma, a prática analítica implica construção de novas formas de subjetividade e novas formas de lidar com os conflitos inerentes a todos e à vida e a resistência pressiona contra esse novo, até que seja capaz de ser melhor compreendida e, talvez até superada - se for o caso - depois de devidamente trabalhada e elaborada.

Dito isso, torna-se fácil compreender porque a resistência – seja na perspectiva psicanalítica ou na vida cotidiana - é tão forte: ir em direção ao novo, à novas formas de ser e estar no mundo não é tarefa das mais fáceis, estando uma pessoa em processo de análise ou não. O novo, o desconhecido, aquilo que não sabemos – e, por vezes, nem queremos saber, mesmo sabendo – provoca angústia, medo, sofrimento e, não raro dor. Mudar (de verdade) provoca desconforto porque mudar é, entre tantas coisas, mexer e remexer, alterar a ordem, sair da zona de conforto, dar a cara a tapa, desnudar-se, desvendar-se - com a possibilidade de desvendar o outro e o mundo também, desaprender para aprender de novo, ir ao encontro de – na maioria das vezes, ir de encontro a – dúvidas, incertezas, peguntas sem respostas, inesperados, dores passadas e presentes, angústias de ser, estar e existir, lugares escuros dentro e fora de nós e, não obstante, ir de encontro também a muitas dessas mesmas questões em relação aos que convivemos e mantemos algum tipo de vínculo relacional. Mudar provoca desconforto porque o processo de mudança vai nos "obrigando" a olhar necessariamente para dentro. E olhar para dentro não é tarefa para qualquer um, não. Não mesmo. Quando começamos a olhar para dentro, começamos a perceber que todas as nossas atitudes ou a falta delas terão sempre consequências e começamos a entender que nada nos ajudará - muito pelo contrário - se continuarmos no processo de esquivas, desculpas, justificativas, mentiras e omissões para transferir o peso dessas nossas atitudes e as consequências delas para os ombros de outras pessoas ou para a roda da vida. Mudar implicar maturidade, maior responsabilidade com a gente mesmo, com a vida que vivemos e com quem vive essa vida conosco. Sobretudo, mudar implica sermos capazes  - seja de que forma for - de enfrentar e superar todo esse desconforto, toda a inquietude que a angústia do medo provoca - seja medo do novo, medo da aceitação ou da rejeição, medo do vir-a-ser, medo do não vir-a-ser, medo do salto, medo do susto, medo do “outro lado” e até mesmo medo da própria mudança.

Mudar é inerente à vida. De acordo com a ciência, biologicamente falando, toda célula do corpo humano se regenera em média a cada sete anos. Portanto, somos literalmente novas pessoas a cada sete anos. Mudamos também de idade, de lugares, de pensamentos, de sentimentos, de conceitos, de paradigmas, de representações e de visões de mundo durante toda a nossa vida. Mudamos - para melhor ou para pior. A mudança em nós, nos outros, em tudo o que nos cerca e na vida é fato. Acontece que as mudanças subjetivas são mais difíceis, porque elas estão atreladas a muitas representações também subjetivas desde a nossa infância e conseguirmos derrubar as resistências - ou parte delas - que nos levariam a novas formas de ser, a novas subjetivações e a alguma forma de mudança e transformação requer que estejamos conscientes do enfrentamento dos nossos medos, dores e angústias. Esse enfrentamento, que é o próprio começo da mudança pode gerar conflitos, crises, dúvidas e, muitas vezes, vontade de permanecer no mesmo lugar – o que pode parecer paradoxal e seria um retrocesso à resistência, em certa medida. Temos que a resistência pode ser, ao mesmo tempo fator de mudança e de permanência a um mesmo estado. Mas, se conseguirmos ir além, quebrar a resistência – ou que seja, pelo menos, parte dela – enfrentar as angústias, as crises, o medo do salto e do novo, os sofrimentos e, não raro o caos que podem surgir dessa inicial desestabilização das coisas; o que pode surgir do outro lado, se estivermos mesmos dispostos a "pular o muro" é uma grandiosa e, não rara, feliz mudança, de acordo com as vivências de cada um. Com novas possibilidades, novos direcionamentos, novas visões, novos encantamentos e novas oportunidades. Lembro-me aqui de Nietzsche: "Eu vos digo: é preciso, às vezes, ter um pouco de caos dentro de si, para poder dar à luz uma estrela dançante."      

E mudanças podem ser extremamente positivas quando elas estão na direção de descobrirmos e colocarmos para dançar novas formas de ser e estar no mundo. Mudanças são o oposto do estagnado, da poeira que juntamos e varremos para debaixo do tapete, do retrato bonito que enfeita nossa sala de estar. Mudanças são o avesso do vazio, de uma vida, muitas vezes infértil, se pensarmos nas muitas aberturas que elas trazem e no seu oposto. Mudança é coragem, novas perspectivas, novas expectativas, novos nós mesmos. Mudança não é o que contamos, mas o que vivemos, dia após dia, com alma, com atitude. Mudanças podem ser reinvenções de nós mesmos e de nossas vidas, recriações de novas posturas, novas visões da vida e novos pensamentos e sentimentos, novos rearranjos da música da vida. Mudança é vida. Novos modos de sentir, ver, agir e pensar o mundo. Enfim, mudanças podem ser belos e deliciosos começos ou - como queiram - (re)começos. Instigantes, desassossegados e desafiadores talvez, mas também - e quase sempre - fascinantes (re)começos.

“A invenção e a criação seriam então as resultantes maiores desse processo sempre recomeçado, na medida em que pressupõem, como sua condição concreta de possibilidade, a existência de uma subjetividade que possa ser permanentemente inventada e recriada contra um fundo homogeneizado de fixações estabelecidas” (Joel Birman, 2006)